Como a minha experiencia com a dança influenciou a minha visão como terapeuta
A dança treina o indivíduo a observar a poesia do corpo e a sua mecânica, assim como a ser o mais forte quando estás completamente exposto e ao mesmo tempo mais vulnerável. Considero que isso se transfere bem para um ambiente de atendimento ao paciente, onde estamos a trabalhar com vulnerabilidades e como facilitar a consciência interna e força, durante um momento difícil e muitas vezes volátil. Além disso, é uma linguagem que expressa conceitos e emoções por meio da forma física e simplesmente inspira o que parece impossível.
Estudar qualquer forma de arte requer disciplina e prática diária, não importa o que aconteça. A maneira como vejo as aprendizagens de dança é como me vejo a recordar horas de estudo de fórmulas de ervas chinesas ou meridianos, aos poucos e com uma quantidade insana de repetição. No entanto, o caminho é longo, como qualquer coisa boa e valiosa, leva anos e anos para se cultivar. Durante o meu percurso no mundo da dança, passei horas a observar o movimento do corpo e a tentar entender como se comunica. Isto é algo que me ajuda, hoje em dia, a interpretar a experiência interna de um paciente sem palavras. O modo como alguém se senta, caminha ou gesticula, reflete como se sente por dentro e como vê o mundo. É incrível como uma pequena diferença na estrutura do corpo de qualquer dançarino (social, amador ou profissional), afeta por completo o seu desempenho, dificultando voltas, foco, agilidade ou flexibilidade.
A Medicina Tradicional Chinesa é a antiga arte milenar de cura fundada na China que ensina moderação, equilíbrio e respeito ao corpo - uma visão sobre como harmonizar os sistemas internos com os sistemas externos, como a saúde de uma pessoa está ligada à saúde do ambiente que a rodeia. Os dançarinos tendem a forçar a dor e simplesmente exagerar porque são extremamente apaixonados pela "natureza da besta", o que esgota o corpo do que diríamos na Medicina Tradicional Chinesa (MTC), da sua essência e do Qi dos rins (pronuncia-se 'Chi'). A harmonização do fluxo de Qi, traduzida como energia vital que circula por todo o corpo, e quando é interrompida ou bloqueada, surgem doenças agudas ou crónicas, ou deterioração da saúde. Quando o Qi se move livremente, a vitalidade, a saúde equilibrada e o bem-estar prosperam e as doenças podem ser evitadas. Outro dos conceitos fundamentais, considerados “raízes” da medicina chinesa são o "Yin e Yang". A MTC orienta o terapeuta e o paciente sobre a melhor forma de facilitar a harmonia entre Yin e Yang em qualquer conjunto de circunstâncias e como criar e fazer circular uma abundância de Qi para manter a saúde e o bem-estar.
O Qi dá origem Yin-Yang, a dualidade energética. A parte preta representa o Yin (Terra, debilidade, morte, feminilidade, frio, húmido, inércia) é a energia que está relacionada com a insuficiência enquanto a parte branca representa o Yang (Céu, força, vida, masculinidade, calor, seco, ação) está relacionado com os excessos. Cada uma das partes representa os princípios vitais e sendo o contorno de cada parte igual ao perímetro total da figura. Em cada uma das partes há um círculo menor da cor contrária. Uma vez que tal como o Yang e o Yin não existem um sem outro, nada existe em si mesmo sem ter o seu contrário, mas sem, ao mesmo tempo, se fundir com ele. A patologia chinesa assentava nestes dois princípios e na relação entre eles, já que do seu equilíbrio resultaria a saúde.
A Dança é um bichinho que alimentamos todos desde cedo, apesar de nem sempre ser devidamente valorizado. Mas a sede de evoluir na dançar é gigante e muitas vezes esquecemo-nos que o mais importante é ser mais gentil com o nosso corpo e mente. O equilíbrio é extremamente importante para o dançarino, mas existem imensos fatores que podem ser prejudiciais se não forem tidos em conta, como piso onde dança, estúdios frios, calçado não adequado, deficiências nutricionais, não ter uma recuperação adequada, sono e qualquer história de lesões anteriores, etc. Os dançarinos tendem a dançar com a dor e alguns dançarinos mais jovens e menos experientes tentam fazer aula após aula, não tendo tempo suficiente para recuperar. É importante educar mais os mais novos sobre como se cuidarem. Em qualquer desporto profissional, os atletas são dispensáveis, existe sempre outro na fila para substituí-los e isso também é válido para dançarinos. Basta uma lesão mal curada para terminar tudo. A longevidade da carreira baseia-se em manter o corpo em equilíbrio sob várias perspetivas.
A medicina chinesa mantem um sistema equilibrado, não apenas exercícios para treino cruzado para permitir que os dançarinos descansem e recuperem das extenuantes demandas de ensaios, mas também tratamentos com acupuntura (inserção de agulhas finas em pontos específicos do corpo para estimular a restauração e manutenção da saúde e do equilíbrio), Moxabustão (envolve a queima de Artemísia chinesa (Artemesiae vulgaris) em certos pontos de acupuntura designados para estimular o fluxo de sangue e o Qi e gerar a cura), Ventosas ( é um método de trazer congestão profunda de Qi e/ou sangue, para a superfície do corpo. É criado um vácuo parcial nas ventosas e estas são colocadas sobre a pele para puxar os tecidos subjacentes e estimular a cicatrização) e as fórmulas à base de ervas que podem ser usadas para melhorar o desempenho e manutenção, assim equilibram a totalidade de seu sistema para prevenir lesões, sejam elas provocadas por muito stress físico, mental ou emocional.
O melhor exemplo da perspetiva oriental sobre o dançarino social para mim é o momento do abraço. Aquele momento que já todos partilhamos e sentimos. Entre risos e gargalhadas, entre conversas e silêncios, entre danças intermináveis, onde a felicidade domina o momento que respiramos fundo e abastecemos o nosso centro com oxigénio, enquanto desfrutamos do nosso Qi (da nossa energia vital, do Qi da pessoa que está connosco e o Qi do ambiente que nos rodeia) usando a música como canal de ligação. Esse é o ponto de equilíbrio perfeito. O momento onde somos felizes por viver, fazer viver e ver viver através da dança.