A Dança Africana no Caminho do meu Corpo
Como é que a cultura africana se foi introduzindo no meu caminho profissional?
Tendo conhecido a dança e música africana em Portugal no ano 2000, assistindo a um espetáculo do grupo “Djamboonda”, começaram a surgir questões como: “o que é a dança tradicional da costa oeste de África e o que são estas novas visões e recriações que chegam ao meu país, através de bailarinos africanos residentes na Europa?”.
À procura de respostas fui vivenciar experiências no terreno em viagens a África (Guiné Conacri, Guiné Bissau, Senegal e Burkina Faso).
De regresso ao meu país, com a consciência que o meu trabalho era uma visão de uma portuguesa, de recriações de culturas africanas, fundei numa visão intercultural, em 2005, o projeto “Semente” e posteriormente “Sementinha”, uma escola de formação em dança e música africana, em Portugal.
Como um corpo, sujeito a influências históricas e culturais, da sociedade em que se encontra, transmite uma técnica corporal tradicional da sua cultura? Como se desenvolviam estes processos recriativos e o que é a dança tradicional africana, continuavam questões em aberto.
Como um corpo arquiva todas as informações herdadas e aprendidas e se expressa através da dança?
Durante alguns anos trabalhei a consciência corporal e trabalho técnico no meu corpo, que levou a sentir-me bloqueada num corpo objeto e a que deixasse de sentir uma corporeidade que expressava uma cultura que tinha procurado nas minhas viagens a África. Exprimi este bloqueio no Solo «Procura», apresentado no Teatro de Campo Alegre do Porto.
Com este trabalho de pesquisa do “meu corpo - arquivo”, regressei a Burkina Faso em fevereiro de 2015 com a criação artística “Recherche” com a “Compagnie Fongnon Koura”, pesquisando nos corpos dos outros bailarinos. E mais tarde criei o Solo «Metamorfose», onde pesquisava como o meu corpo dança a mudança. Ambos apoiados pela Fundação GDA - Gestão dos Direitos dos Artistas.
Consequência desta pesquisa e da minha experiência como formadora desde 2003, percebi que, para além de dar a conhecer a minha visão de recriações de “tradições” de África, através de métodos pedagógicos assentes na imitação do mestre, era mais importante, no contexto europeu no qual me encontro, ensinar e precisar a técnica dos movimentos que caracterizam a dança da costa oeste de África, adaptando-os a corpos com vivências culturais, sociais e, consequentemente, posturais diferentes.
Desenvolvi por isso um novo método de ensino que que nomeei “Farisogo Sira - O Caminho do Corpo na Dança Africana”.
Em 2017 fui convidada por Vincent Harisdo, para participar com o meu trabalho no seu Festival “Une autre façon de découvrir la danse”, no Benim. Ao iniciar uma pesquisa sobre este país apercebi-me que existe uma ligação histórica muito forte entre o Benim e Portugal, ligação para mim, até então, desconhecida.
Surgiu então a criação do solo «Olokum» como projeto que visa pesquisar a dança enquanto modo de expressão e de contacto entre Portugal, Brasil e o Benim, centrado no cruzamento das suas histórias, culturas e pessoas.
Na circulação destes projetos no Brasil e no Benim, apoiado pela Fundação Calouste Gulbenkian, comecei a sentir o meu corpo, não somente como um corpo objeto, mas também o seu confronto como um corpo fenomenológico, cultural, social.
Como portuguesa, comecei a questionar sobre a memória de um “corpo ex- colonizador”. Teremos marcado nos nossos corpos, consciente ou inconscientemente, uma visão e atitudes racistas, colonizadoras,...? Será que o meu trabalho, é baseado numa visão eurocêntrica? Então qual é o meu lugar de fala como investigadora?
Vendo o “corpo, que antes de tudo retrata um lugar, um tempo histórico, atividades, profissões, religiosidade, rituais de sociabilidade e formas de comunicação” (Sabino, 2011), como dialoga a dança com uma cultura e o corpo cultural com a coreografia?
Como as danças são recriadas, transformadas em novos corpos históricos, sociais, culturais e espirituais? E como funcionam e se expressam as memórias da nossa história nesse adensamento orgânico chamado corpo?
Com todas estas questões surgiu a minha investigação de Doutoramento na Faculdade de Motricidade Humana, da Universidade de Lisboa.
Durante esta investigação iniciei, em 2019 com Guillaume Niedjo, bailarino do Ballet Nacional do Benim, o projeto “Dimensão”, tendo apresentado em 2019 o espetáculo “Dimension” com o grupo Ewe do Brasil, e em 2021 a performance “Affôtè” no Benim, com o apoio da GDA - Gestão dos Direitos dos Artistas.
E o meu caminho continua ...
VIDEO «A Dança Africana no Caminho do meu Corpo»
Apresentação para o 2º Encontro de Danças com Tradição: do terreiro ao palco VIRTUAL, em 23 de janeiro de 2021
Criação e Interpretação – Eva Azevedo
Música original – Djamboonda e Paulo das Cavernas Direção / Produção/ Edição/ Som/Design – Emanuel Pereira https://youtu.be/QCN3gRhoUZo
Eva Azevedo
Bailarina, coreógrafa, investigadora e professora de Dança Africana e de Pilates (00351) 939383644 / evazevedo@yahoo.com
www.evazevedo.com
Comments
Ana - October 13 2021
Trabalho maravilhoso e excelente professora!